terça-feira, 5 de agosto de 2014

O dia que me libertei da capa da Mulher Maravilha


Tenho notado por experiência própria e convivência com um grupo bem heterogêneo de amigas que nós mulheres queremos, e nos cobramos, a postura de Mulher Maravilha 100% do nosso tempo. Eu não sei de onde nós tiramos essa ideia, mas eu garanto que muitas de nós acreditamos que precisamos resolver tudo, o tempo todo, na nossa vida profissional e, acima de tudo na nossa vida pessoal.  Precisamos ser praticamente perfeitas e nessa sociedade moderna de “direitos iguais” que vivemos, nosso papel continua sendo extremamente, digamos, abrangente. Não atender às expectativas que colocamos para nós, muitas vezes, é frustrante.

Trabalhamos tanto ou mais do que muitos marmanjos. E se você trabalha em uma corporação pelo menos um pouco exigente com o dress code, seu guarda roupas não pode se restringir a calças pretas e camisas brancas, a não ser que esse seja o seu uniforme mesmo. Nossa jornada de trabalho, muitas vezes, passa das 10h diárias (a minha muitas vezes passa das 12h). Mesmo amando o que eu faço, confesso que é cansativo porque eu saio do meu trabalho e ainda vou treinar. Não porque acredito no mito do corpo perfeito (se um cara quiser apenas um par de coxas ou uma barriguinha sem as “alças do amor”, realmente me assumo eternamente fora do target, mesmo se eu tiver um belo par de coxas e uma barriga chapada), mas porque é a única hora do meu dia em que eu sinto que estou realmente dedicando um tempo só pra mim, depois de resolver todos os pepinos dos outros.  

E sim, mesmo com um bando de homens repetindo em coro que não precisamos ir ao salão, fazer a unha, depilar, cuidar do cabelo, da pele, que mulher se arruma só para mulher, não conheço um cara que tenha orgulho de sair com a Monga, com uma pessoa que só usa calça de moletom na rua ou com alguém que tem sempre o esmalte lascado ou o pé grosso. É esperado sermos femininas, lindas e cheirosas e eu pelo não acho isso ruim não. Taurina assumida que sou, acho legal ser vaidosa, mas isso faz com que eu precise encaixar também essas atividades na minha rotina.

Se moramos sozinhas, ainda chegamos e temos os afazeres de casa. Sim, podemos ter faxineira e eu acho que esse é o melhor dinheiro gasto da vida de uma mulher moderna, mas eu pelo menos não consigo ter uma diarista. Então a louça acumula, a roupa embola no guarda roupa e nem sempre dá pra esperar a próxima semana pra ligar o ferro. Tenho duas gatas que eu amo, mas que me exigem minimamente atenção diária também. Sem contar minhas amigas, mãe, meu pai, irmãs e o resto da família, que se dividem no meu final de semana normalmente abarrotado de compromissos ou pendências pessoais que não resolvi no meio da semana, uma vez que moro no Morumbi e trabalho em Guarulhos (oi?) e dar uma “escapada” na hora do almoço nunca é uma opção para mim.

(Eu nem vou entrar no mérito do que acontece quando você tem uma obra eterna na sua casa como eu tenho ou quando tem filhos. Eu realmente admiro e bato palmas para vocês, minhas companheiras. Sério. Clap clap clap com louvor).


O ponto aqui não é discutir direitos ou papeis de homens e mulheres nessa bagunça toda que é nossa vida. Isso tudo ai em cima, muitas vezes, não é um décimo do que algumas outras mulheres precisam fazer, bem como sei que a rotina de muitos caras não é nada, nada, nada fácil achando ainda que precisam ser machões o tempo todo. Não estou aqui idolatrando as mulheres ou crucificando homens, mesmo porque, sou do grupo que acredita que SIM, nós precisamos deles em nossa vida (feministas, podem me crucificar agora, beijos, não me liguem!)

Esse é só o contexto que coloquei para refletir exatamente sobre o questionamento: com toda essa carga que carregamos, porque a gente exige a capa da Mulher Maravilha 100% do tempo em situações em que poderíamos retirá-la sem medo?  Falo isso com toda a propriedade porque até bem pouco tempo atrás, eu me recusava a retirar a minha. Pelo meu estilo de vida, acabo dedicando grande parte do meu tempo para meu trabalho. Há anos trabalho na área de Serviços e, na maioria das vezes, preciso encontrar a solução de alguma bomba, e tomar decisões que podem impactar todo o negócio. O ponto é que eu ia embora do ambiente corporativo e continuava tentando organizar tudo da mesma forma na minha vida pessoal.


Durante muitos anos eu vivi um relacionamento que fez com que a minha capa praticamente grudasse em mim com cola Super Bonder: além de todas as decisões difíceis do dia a dia, cabia a mim o papel de escolher o restaurante, reservar mesa, chamar o garçom, fazer o pedido, decidir o filme do cinema, o passeio do final de semana, chamar o carro no vallet, planejar a viagem, a pousada, lembrar de pegar a grana do pedágio, de passar no mercado para comprar o jantar que eu cozinharia, além de encarar a louça sozinha depois.

(Nota de rodapé: isso aqui não é uma crítica, apenas a constatação de um fato. Uma pessoa extremamente hands on e independente como eu encontrou uma pessoa cuca fresca e sem muita atitude porque não precisava ter, uma vez que eu sempre resolvia tudo.)

Depois de tudo terminado e reflexão de vida feita, percebi que se permitir ser cuidada ao invés de cuidar de tudo poderia ser incrível, mas que para isso eu precisaria abrir mão de ser sempre a Mulher Maravilha que faz tudo. Que não era coisa de ET receber uma gentileza e que tem muito cara bacana por ai que tá louco pra ser parceiro nesse mundo maluco que nós mesmas criamos. Para cuidar da gente, mesmo quando achamos que não precisamos e que se danem as queimadoras de sutiãs!


Já passei por situações ridículas, tipo sentar no lugar ao lado depois do rapaz ter puxado a cadeira pra mim por achar que ele estava fazendo isso pra ele. Eu continuo podendo pagar o meu jantar, mas valorizo quem de vez em quando se dispõe a ser gentil. Adoro organizar os eventos da galera, mas também adoro não ter que pensar em nada. Posso abrir o vinho, mas me derreto quando alguém se dispõe a fazer isso por mim. Posso, de fato, fazer (quase) tudo sozinha, mas descobri que poder dividir e delegar algumas coisas é sensacional.

Quando aprendi que posso me permitir tirar a capa, eu aprendi também que posso ser eu mesma em todas as situações. Posso ser doce, carinhosa, manhosa, engraçada, posso pedir colo, posso chorar e sorrir sem medo de parecer ridícula. Não preciso ser um soldado ditando regras e não preciso acertar sempre.  Posso conviver com as lâmpadas penduradas pelo fio há 3 meses porque simplesmente eu ainda não decidi os lustres que quero colocar, assim como posso me apaixonar por dois criados mudos. Aprendi que posso confessar que odeio muitas opções e recentemente fui sabiamente corrigida e percebi que eu não gosto mesmo é de ter que escolher algumas coisas, depois de ter que fazer tantas outras escolhas durante o dia.

Sendo assim, pode me ajudar a escolher o almoço, a cor da parede, o programa de amanhã, mesmo que ele seja ficar no sofá comendo pipoca. Pode rir de mim quando fico confusa diante de um cardápio de mais de duas páginas. Pode se irritar quando eu digo que "tanto faz" porque às vezes tanto faz mesmo: cinema, jantar com a galera ou vinho em casa. Pode me ajudar a fazer tudo, sendo você meu parceiro, minha amiga ou meu amigo.  Eu não nego mais que preciso de ajuda de vez em quando. Muitas vezes, não é fácil encontrar o caminho do meio... Mas eu garanto que a sensação é libertadora!


2 comentários:

  1. UUUuuuuaaaaaauuuuuuu impressioannte a sua visão da "nova mulher", que sabe delimitar seu território e não abre mão de ter um carinho e um companheiro ao lado para dividir a vida...

    Parabéns pelo texto e pela excelente visão da mulher 100%, mesmo que não seja 100% a mulher maravilha, é 100% uma mulher completa.

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    1. Obrigada, Dani! Depois de apanhar um pouco a gente aprende, né? :-)
      Cada um com seu espaço e seu papel, sempre! E tira o maior peso perceber que ninguém precisa ser 100% perfeito, nem o Super Homem ou a Mulher Maravilha...

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